A CAIXA DE RECOMPENSAS À LUZ DO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

Dá para perceber que, no capítulo anterior, a mera expectativa da presença de caixa de recompensas em algum jogo é motivo de polêmica. Nem mesmo há um consenso na indústria dos jogos eletrônicos, sobre a sua utilização.

Os governos diante desta situação ainda sentem dificuldades para lidar com a caixa de recompensas. Na China desenvolveu-se diversas políticas no sentido de reprimir ao máximo a característica de azar presentes nas caixas de recompensas, enquanto na Bélgica foi aplicada a própria lei dos jogos de azar, proibindo a presença de caixa de recompensas em jogos eletrônicos destinados ao público menor de 18 anos. 

Desta forma, ainda não há, no âmbito mundial, um consenso sobre como lidar com esta situação. Mas é um fato que os governos, diante desta emblemática situação, devem começar a agir.

No Brasil ainda não se encontra nenhuma discussão no Congresso Nacional mas o judiciário brasileira foi instado a se manifestar sobre este assunto. A ANCED ( Associação Nacional dos Centros de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente ) entrou na Justiça contra as desenvolvedoras que possuem atividade no Brasil (ANCED. 2021), o principal argumento é que a caixa de recompensas, conforme legislação brasileira, constitui uma forma de jogo de azar, “estando proibida pela Lei das Contravenções Penais e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente”. Dessa forma, neste capítulo veremos as normas brasileiras aplicáveis às caixas de recompensas.

 

4.1 OFENSAS ÀS NORMAS DE PROTEÇÃO AO CONSUMIDOR

 

De início é importante visualizar a caixa de recompensas sob a ótica do código de defesa do consumidor. Não há dúvida quanto a incidência deste código neste caso, uma vez que a caixa de recompensa é comercializada dentro do jogo, o qual a desenvolvedora e publicadora do jogo se qualificam como fornecedor enquanto o usuário/jogador é o consumidor, conforme o art. 2º e 3º do CDC (Código de Defesa do Consumidor).

Conforme Gérard Cas (apud PELLEGRINI. 2018, p. 136) o legislador, ao criar o CDC, buscou “proteger os mais fracos contra os mais poderosos, o leigo contra o melhor informado”. Não há dúvidas quanto à vulnerabilidade do consumidor nos jogos eletrônicos que apresentam as caixas de recompensas como meio de adquirir itens, no qual o fornecedor explora um problema de ordem psicológica ao qual já foi apresentado no capítulo 2.3.

A caixa de recompensas, em síntese, ofende os direitos básicos do consumidor. Disciplinados no art. 6º do CDC mais especificamente nos incisos I,III e IV:

 

I- A proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas o fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos;

III- A informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentam;

IV- A proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços;

 

O inciso I, Conforme Ada Pellegrini Grinover( 2018, p.143) explica: 

 

Têm os consumidores e terceiros não envolvidos em dada relação de consumo incontestável direito de não serem expostos a perigos que atinjam, sua incolumidade física, perigos tais representados por práticas condenáveis no fornecimento de produtos e serviços. 



A caixa de recompensas ofende o inciso I por causa da sua própria característica viciante ao qual oferece risco à saúde mental do consumidor, mais especificamente a doença do jogador patológico. Além de que as próprias desenvolvedoras adotam práticas que aumentam exponencialmente este risco ao consumidor, pois os jogos eletrônicos são desenvolvidos como “jogos como serviço” e desta forma, as desenvolvedoras criaram mecanismos que incentivam o consumidor a ficar mais tempo exposto a práticas nocivas à saúde.

Sobre o inciso III, Ada Pellegrini Grinover(2018, p.144) explica:

 

inc. III do art. 6 ora comentado, pois que se fala expressamente sobre especificações corretas de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentam, obrigação específica dos fornecedores de produtos e serviços.

 

A ofensa ao inciso III está caracterizada pela falta de informações claras e objetivas sobre os possíveis objetos virtuais e as reais taxas de probabilidade de ganho de cada objeto. As caixas de recompensas presentes na maioria dos jogos, apenas informam os itens que podem ser ganhos, aberta determinada caixa.

No entanto, alguns jogos, quando informam a taxa de probabilidade, eles fazem por um sistema de “Tiers”. As quais são divulgadas taxas de probabilidade de um conjunto de itens, inflando as reais probabilidades e dessa forma, ainda continuar existindo a ofensa ao inciso III por mais que seja velada. 

Sobre o inciso IV Ada pellegrini Grinover (2018, p. 145) comenta que:

 

tal proteção é conferida ao consumidor a partir do art. 30 do Código, quando trata a oferta como um dos aspectos mais relevantes do mercado de consumo, atribuindo-lhe o caráter vinculativo, ou seja, tudo que se diga a respeito de um determinado produto ou serviço deverá corresponder exatamente à expectativa despertada no público consumidor.

 

A ofensa ao inciso IV não se trata especificamente da caixa de recompensas, mas a forma como é veiculado os anúncios que a retrata. Há anúncios que mostram como é "fácil" ganhar um determinado item mas que na verdade a probabilidade é tão baixa que se torna impossível. 

Já há registros de publicidade enganosa, como foi tratado no capítulo 3. As desenvolvedoras enviaram para os influencers digitais, caixas de recompensas “falsificadas”, com o objetivo de enganar o público sobre as reais chances de ganhar determinado item, caracterizando a ofensa ao inciso IV. 

Desta forma, não há duvidas quanto a aplicação do CDC, uma vez que a relação entre o desenvolvedor, publisher e jogador/consumidor é visivelmente de consumo. Neste sentido, estando caracterizando esta relação a aplicação do art.6º, I, III e IV devem ser respeitadas e como foi retratado no decorrer deste artigo há ofensas flagrantes aos direitos do consumidor. Agora deve-se observar a seguir as repercussões desse imbróglio no âmbito do Estatuto da Criança e Adolescente e penal.

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