A CAIXA DE RECOMPENSAS NOS JOGOS ELETRÔNICOS

Ao longo do tempo a indústria dos jogos eletrônicos passou por diversas mudanças que atingiram a forma de monetização dos jogos eletrônicos. Os desenvolvedores perceberam que vender ou distribuir de forma gratuita, com o retorno financeiro vinculado à exibição de anúncios dentro do jogo, não são as únicas opções de rentabilizarem o jogo eletrônico.

Nesse sentido, a indústria desenvolveu diversas formas de monetização, algumas até benéficas para a manutenção e continuidade de determinado jogo eletrônico, outras um tanto maléficas do ponto de vista do consumidor. Mas o objeto central deste trabalho será a caixa de recompensas, que se encontra no grupo das microtransações.

Atualmente, a caixa de recompensas é por si só uma grande fonte de renda para as desenvolvedoras. A Electronic Arts, por exemplo, com seu jogo FIFA, faturou mais de US$ 1.62 bilhões(GAMEON. 2021) em 2020. Contudo, há diversas questões de ordem ética, moral e jurídica envolvendo as caixas de recompensas. Neste capítulo será trabalhado como se desenvolveu a indústria bilionária dos jogos eletrônicos, o que é caixa de recompensas e as suas semelhanças com o jogo de azar.

 

2.1 ASPECTOS RELEVANTES DOS JOGOS ELETRÔNICOS

 

Em síntese, conforme Schuytema (apud LUCCHESE e RIBEIRO. 2009. p. 8), um jogo eletrônico é: 

 

uma atividade lúdica formada por ações e decisões, aos quais são limitadas por um conjunto de regras, que no contexto dos jogos elêtronicos são regidos por um programa de computador. 

 

No entanto, essa conceituação, atualmente, deve ser expandida para reconhecer as diversas plataformas, além do computador, como console, arcade, smartphone, aos quais são instrumentos para a interação entre jogador e maquina. Explicado o conceito, vamos entender como se desenvolveu a indústria dos jogos eletrônicos nos últimos anos. 

     Em 2019, essa indústria movimentou mais de 120 bilhões de dólares. Dentre as plataformas de jogos eletrônicos, o smartphone foi responsável pela arrecadação de 64,4 bilhões de dólares (LARA, 2020). No Brasil, é fácil constatar a preponderância do smartphone sobre as demais plataformas, como console e computador, pois estas plataformas são um pouco proibitivas, seja pelo conhecimento técnico ou por seu elevado custo para servir apenas como lazer.

Vale ressaltar que a indústria dos jogos eletrônicos já ultrapassou a indústria do cinema. Em 2018, esta indústria alcançou a importância de 41,6 bilhões de dólares, enquanto a indústria dos jogos eletrônicos, no mesmo período, alcançou os 134 bilhões de dólares (LARA, 2020).

Para buscar entender como chegou-se à inclusão das caixas de recompensas nos jogos eletrônicos. Devemos buscar como a indústria dos jogos eletrônicos se desenvolveu ao ponto de ultrapassar os grandes players da indústria do cinema, para isso, faz-se necessário a análise histórica dos jogos eletrônicos sob a perspectiva das formas de monetização.

O primeiro jogo eletrônico foi um jogo de tênis produzido pelo físico Willy Higinbotham em 1958, seu objetivo era atrair a atenção do público que visitava o Brookhaven National Laboratories, então Willy não lucrou nada com seu invento. (REIS, 2005, p. 44). Vale ressaltar que este jogo eletrônico foi produzido antes da criação da internet em 1969.

No ano de 1972, Nolan Bushnell e seu amigo Ted Dabney fundaram uma empresa para desenvolver jogos eletrônicos, empresa essa, chamada Atari. No mesmo ano, a Atari lançou seu primeiro jogo chamado Pong, conquistando um grande sucesso. Em 1974, foi criado um sistema caseiro chamado “Home Pong”, o console só rodava um jogo. (REIS, 2005, p. 49). A forma de monetização do jogo dava-se pela venda do aparelho.

Em 1976, foi lançado o primeiro console programável da história: o Zircon/Fairchild Channel F, com ele, o usuário podia trocar os jogos que eram armazenados em cartuchos. A ideia era que o usuário compraria o console e jogos separadamente, uma vez que até aquela época a prática da indústria era que o preço dos jogos estava embutido na venda do console. Dessa forma, o usuário economiza na compra do console e gastaria mais nos jogos (REIS, 2005, p. 50). Tal pensamento perdura até hoje.

Em 1985, a Nintendo introduziu o console Nintendo Entertainment System (NES) no mercado americano. Esse ano de lançamento é muito importante, pois pela primeira vez na indústria do entretenimento, uma empresa fez o uso pesado do marketing, para que assim, seu produto se tornasse um dos consoles mais bem sucedidos da história (REIS, 2005, p. 61). Atualmente, os grandes estúdios fazem o uso pesado do marketing para aumentar o hype. Um grande exemplo que podemos citar é a campanha de marketing do jogo eletrônico Cyberpunk 2077, o qual o CEO Projekt RED, Adam Kicinski(apud SALGADO. 2018), afirmou:

 

A campanha será certamente mais cara quando comparada com Witcher 3, mas ainda é muito cedo para discutir os detalhes… Quanto mais nos aproximamos do lançamento do jogo, as nossas expectativas tornar-se-ão mais precisas e depois saberemos quanto pretendemos gastar na promoção do jogo; este é o modelo padrão do negócio.

 

Esta ação deu tão certo, que o Cyberpunk 2077 vendeu mais de 13,7 milhões de cópias em 2020 (KAIQUE. 2021), mesmo com o jogo apresentando diversos bugs que tornam o jogo quase injogável em algumas plataformas, como Playstation 4, Xbox One e computador. O jogo, inclusive, foi retirado da loja oficial do Playstation 4.

 No ano de 1986, a Sega lançou, pela primeira vez nos Estados Unidos, o Master System, um console moderno com gráficos e sons de altíssima qualidade. O objetivo da Sega era enfrentar o console da Nintendo, porém mesmo possuindo um console bastante superior, não conseguiu alcançar êxito. A Nintendo possuía contrato de exclusividade com grandes desenvolvedoras de jogos eletrônicos, enquanto os jogos para o console da Sega não possuíam tanta qualidade (REIS. 2005. p. 64). 

A prática de exclusividade dos jogos eletrônicos perdura até hoje, sendo esse um dos grandes combustíveis para a conhecida “guerra” dos consoles, que ocorre entre o Xbox e o PlayStation. Mesmo que o usuário tenha que comprar o jogo além do console, esta prática força a escolha do console de acordo com seu interesse no catálogo de jogos eletrônicos exclusivos. Recentemente no computador, as plataformas de vendas de jogos eletrônicos online vêm adotando esta prática, dessa vez, a Epic Games usa seu launcher para travar uma ‘guerra’ contra a Steam pela hegemonia no cenário de venda online de jogos eletrônicos.

Em 2000, a Sony lança o Playstation 2, pela primeira vez os jogos poderiam ser jogados on-line, uma vez que o console podia acessar a internet (REIS. 2005. p 90). Esse avanço é bastante importante para entendermos como a indústria dos jogos eletrônicos conseguiram criar novas formas de monetização além da venda direta do jogo, como as microtransações, gênero do qual a caixa de recompensas é espécie.

A partir do século XXI, a indústria dos jogos eletrônicos percebeu que o sistema de internet não servia apenas para criar o multiplayer on-line, com o passar do tempo foram surgindo diversas formas de monetizar o jogo eletrônico. Atualmente, esse movimento se consolidou e foi criado o conceito de jogo eletrônico como serviço.

O jogo eletrônico como serviço, de acordo com a Gaming Regulator’s European Forum (2019, p. 6), é a prática de criar conteúdo dentro do jogo com objetivo de geração de receita contínua por meio da venda de Downloadable Content (DLC), passe de temporada, microtransação e caixas de recompensas. A prática do jogo eletrônico como serviço era bastante utilizada para rentabilizar os jogos free-to-play, e os usuários destes jogos até que aceitam bem essa forma de monetização (GREF, 2019, p. 6), mas, nos últimos anos, os grandes estúdios de jogos eletrônicos, que lucram com a venda do jogo, perceberam que poderiam adotar essa prática para aumentar ainda mais os seus ganhos.

Deve-se ressaltar que o jogo eletrônico como serviço adota diversas modalidades para rentabilizar o jogo, ou seja, um jogo pode ter a presença de microtransações e ainda assim vender conteúdo adicional. De qualquer modo, faz-se necessário abordar essas modalidades que rentabilizam o jogo.

Primeiramente, deve-se tratar sobre a venda de conteúdo adicional, a famigerada DLC, que consiste em conteúdos extras para o jogo base, o qual perpassa novos itens até novas fases completas (OLIVEIRA, 2018). O papel que a DLC desempenha nos jogos eletrônicos é interessante, pois além de prolongar a ‘vida útil' do jogo, acrescentando conteúdos que enriquecem a jogabilidade, como, por exemplo, o acréscimo de novas mecânicas no jogo, itens e novas fases ou spin-off da história do jogo base (TAKAHARA, 2020, p. 27).

Um bom exemplo de jogo eletrônico que faz a utilização da DLC é Horizon Zero Dawn.

 

Figura 1 - Horizon Zero Dawn - Jogo Base                                   Figura 2 - The Frozen Wilds - DLC 

 

       Fonte: HAAN. Wikipedia.                                                                 Fonte: Playstation.

 

No jogo base, Horizon Zero Dawn, a história se passa num mundo invadido por máquinas. A protagonista Aloy é uma caçadora que ‘nasceu da montanha’ e que decide desvendar seu passado e o mistério desse mundo. A DLC chamada Frozen Wilds acrescenta uma nova região ao jogo principal chamada de The Cut, nessa região a Aloy conhece a tribo Banuk, qual não existia no jogo base, e descobre algumas coisas sobre Sylens, um personagem do jogo base que Aloy não sabia se era confiável e que desempenha um grande papel nesse jogo. 

A DLC praticamente adiciona uma “segunda temporada” da história do Horizon Zero Dawn. Mas nem sempre isso acontece, existe jogos eletrônicos que abusam desse sistema, como The Sims 4, um jogo de simulação de vida que tem como preço base R$ 159,00, contudo, para que o usuário aproveite tudo de que o jogo tem a oferecer, o mesmo deverá obter 42 expansões que, juntas, totalizam o valor de R$3.119,90 (CASTRO, 2020, p. 9).

Outra modalidade para rentabilizar o jogo eletrônico como serviço é a famosa e polêmica microtransação. Geralmente, se cobra por elementos que estão presentes no jogo, a polêmica fica por conta do abuso desse sistema, o qual os estúdios dos jogos eletrônicos criam mecanismos que incentivam a compra, como aumentar a dificuldade do jogo de forma demasiada para vender facilidades ou, de acordo com Oliveira  (2018), facilitar a vida daqueles dispostos a pagar mais em detrimento da habilidade nos jogos on-line tornando o jogo pay-to-win .

Os itens disponíveis nas microtransações podem ser divididos em duas categorias, conforme Takahara (2020, p. 18), as que fornecem itens funcionais e as que fornecem itens cosméticos.

Os itens cosméticos são objetos virtuais que não interferem nas mecânicas do jogo, ou seja, não dão vantagem ao usuário que adquiriu o item, apenas fornecem mudanças estéticas como skin, acessórios, emojis, animações de personagens e armas, entre outros (TAKAHARA, 2020, p. 19). Deve-se ressaltar que as microtransações são bastantes comuns nos jogos free-to-play, como Valorant, o qual vende skin de armas, animações entre outros itens cosméticos, e League of Legends (LOL), vende skin de personagem, emote, ícone entre outros itens cosméticos. 

Figura 3 - Skin de arma  - Valorant                                      Figura 4 - Skin de personagens  - LOL  Fonte: Elaborado pelo autor (2021)                                           Fonte: Elaborado pelo autor (2021)

 

Quanto aos itens funcionais, interferem nas mecânicas do jogo, ou seja, dão vantagem ao usuário que adquiriu o item, seja através de skill especial, arma com melhorias, boost de xp para diminuir o tempo de evolução do personagem, entre outros (TAKAHARA, 2020, p. 20). Podemos citar o jogo eletrônico Point Blank (PB).

Figura 5 - Armas pagas com diferentes tipos de vantagem  - PB      

  

                                                       Fonte: Elaborado pelo autor (2021)  

 

O passe de temporada é usado para vender kits de complementos do jogo durante um período de tempo (TAKAHARA, 2020, p. 29). O passe de temporada foi modificado ao longo do tempo, atualmente é necessário que o usuário, ao adquirir o passe de temporada, jogue continuamente para cumprir os objetivos para, somente assim, poder receber todos os complementos do passe de temporada.    

          

Figura 3 - Passe de temporada (PAGA) - Valorant                                     

                                                            Fonte: Elaborado pelo autor (2021)  

 

Por fim, tem a polêmica caixa de recompensas. A caixa de recompensas é um item consumível que gera itens aleatórios quando o usuário o “abre”, a única informação que o usuário tem ciência, ao adquirir a caixa de recompensas, são os possíveis itens que podem ser gerados. Neste subcapítulo este conceito é o suficiente, no subcapítulo seguinte será abordado com mais profundidade.

 

 

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