A POLÊMICA EXISTÊNCIA DA CAIXA DE RECOMPENSAS EM JOGOS ELETRÔNICOS

Como deu para perceber no capítulo anterior, há fortes indícios de que a caixa de recompensas é maléfica por sua própria estrutura, somada à prática de jogo eletrônico como serviço torna ainda mais nociva ao usuário. Mas a polêmica da caixa de recompensas não começou através de um estudo apontando suas similaridades com os jogos de azar, foi através do lançamento do jogo eletrônico Star Wars Battlefront II, cujo sistema usava e abusava das caixas de recompensas.

O jogo foi, conforme a crítica especializada (PETRÓ. 2017), apontado como sendo maior e mais diverso que o primeiro jogo da série, tanto pela  campanha singleplayer quanto pelos múltiplos modos presentes no multiplayer online. Mas mesmo Star Wars Battlefront II sendo aclamado pela mídia como melhor jogo do ano, foi exposto, pela comunidade de jogadores, o sistema abusivo das caixas de recompensas.

O jogo custava mais de R$ 200 (duzentos reais) e para poder jogar com algum personagem específico precisaria comprar uma caixa de recompensas, ou passar 40 horas jogando para poder juntar os cartões para tentar desbloquear um personagem desejado. De acordo com o site Star Wars: Gaming para desbloquear tudo dentro do game o usuário precisaria dedicar 4528 horas jogando ou pagar $2100 (dois mil e cem dólares). A repercussão foi tão negativa que obrigou a EA a desativar o sistema de caixa de recompensas no jogo.

Depois desse acontecimento a mídia se tornou mais vigilante nos casos envolvendo caixas de recompensas nos jogos eletrônicos. De 2017 em diante se tornou comum ao menos ter uma notícia por mês envolvendo um adulto, adolescente ou criança gastando cifras superiores a R$1000,00 (mil reais) somente em caixas de recompensas.

Uma notícia publicada no UOL, por gamehall (2019), tem o seguinte título: “Jogador gasta quase R$ 2 mil em loot box de “Apex Legends”. Apex Legends é um jogo free-to-play desenvolvido para ser um jogo como serviço, nesta notícia um jogador se empolgou e gastou US$ 500 dólares em caixas de recompensas com a esperança de ganhar um item raríssimo, que tem menos de 1% de chance de ser obtido. 

Conforme o jogador se um usuário (GAMEHALL. 2019) abre 500 apex packs, caso não tenha ganho este raríssimo item, conforme a notícia “será automaticamente recompensado pelo jogo ao abrir o seguinte” e foi o que ocorreu. Nas palavras do jogador: “Comprei pacotes de moedas atrás de pacote. A cada vez, pensava que as Heranças viriam no próximo conjunto de packs”. 

Como é bem retratado no trabalho realizado por Zendle Meyer R, Over H (2019, p. 2), quanto mais o usuário estiver exposto à excitação ao abrir a caixa de recompensas, mais ele espera e exige essa excitação, levando aos padrões desordenados e excessivos de gastos relacionados ao jogo compulsivo. O jogador ainda afirmou que sabia que se meteria numa grande despesa mas não conseguia parar, reforçando este ponto tratado no estudo psicológico.

Partindo para outro caso, há uma notícia, feita por Kleinman (2019), publicada pela BBC NEWS que trata do envolvimento de crianças com as caixas de recompensas. O título da notícia “Meus filhos esvaziaram nossa conta bancária jogando Fifa”. O jogo FIFA é pago, a classificação etária é disponível para todas as idades, além de ser um jogo como serviço, conforme Drummond e Sauer (2018) esse jogo preenche todos os requisitos, definidos por Griffiths, do jogo compulsivo.

Conforme relato do próprio pai: “Você paga 40 libras pelo jogo, o que é muito dinheiro por si só, mas a única maneira de obter um ótimo time é essencialmente um jogo de azar” e “Eles (os quatro filhos) gastaram 550 libras (cerca de R$ 2,6 mil) e ainda assim não conseguiram Lionel Messi, jogador favorito deles”.

O pai comprou o jogo por 40 libras (na época equivalia a R$ 190), o que por si só é um valor alto para se pagar em jogos eletrônicos, atualmente os jogos triple-A estão na faixa de R$ 230. Além de que as crianças gastaram 550 libras, algo em torno de R$ 2,6 mil na época, e mesmo assim não conseguiram o item desejado que era o Lionel Messi. Mas esse não é um único caso envolvendo as caixas de recompensas do FIFA, há casos de jogadores que gastaram mil dólares, conforme matéria publicada na 2 A.M. gaming (2019), outro jogador gastou 10 mil libras.

Além disso houve um relato de que as caixas de recompensas, enviadas para Streamers, foram “adulteradas” para terem maiores chances de receber itens raríssimos ou exclusivos, passando para público em geral que poderão ter as mesmas chances de ganhar os itens, conforme Henry (2019). Para piorar, basta uma pesquisa rápida no youtube para poder ver vídeos de influenciadores, que são patrocinados pelas desenvolvedoras de jogos, abrindo mais de cem caixas de recompensas, e majoritariamente o público que assiste esses vídeos são crianças e adolescentes. 

 

3.1 CRÍTICAS À CAIXA DE RECOMPENSAS NOS JOGOS ELETRÔNICOS

 

Há várias críticas com relação a presença de caixa de recompensas nos jogos eletrônicos, mas um dos pontos fundamentais é a semelhança entre as caixas de recompensas e jogos de azar. Muitas vezes as semelhanças não estão restritas apenas ao aspecto psicológico, como pudemos visualizar anteriormente no capítulo passado, mas na parte visual e inclusive de mecânica. Como exemplo o jogo eletrônico NBA 2K20, trata-se de um jogo de basquete pago e possui classificação indicativa como Livre para todas as idades. Veja o sistema visual da caixa de recompensas desse jogo:

 

Figura 4 - Caixa de Recompensas - NBA 2K20

Fonte: Nogueira (2019).

 

É o cúmulo do absurdo, uma prática que preenche todos os requisitos psicológicos para o jogo compulsivo, possui ainda elementos sonoros e visuais idênticos a de um jogo de azar. Para piorar, está sendo disponibilizado para menores de idade.

Na visão dos pais que possuem o senso comum de que os jogos violentos representam um risco para seu filho, para isso eles compram um jogo de esporte como o de basquete  e ainda confirmam a classificação etária, que na capa consta como livre para todas as idades. A plataforma do jogo salvar as informações do cartão da compra de forma automática, e a criança impedida de jogar com os seus ídolos favoritos do basquete só tem uma maneira de tentar jogar com o personagem, que é abrindo várias caixas de recompensas pois no jogo na visão da criança, está usando uma moeda fictícia, moeda fictícia esta que é paga e quando os pais veem a fatura do cartão já está feito o desastre.

Essa visão trabalhada no parágrafo anterior foi feita através de um exercício de imaginação, que infelizmente ocorre na realidade. Basta uma rápida pesquisa no google para ver vários casos, notícias e documentários da BBC relatando o mesmo modus operandi envolvendo crianças.

Um outro ponto das críticas é a ausência de informação sobre as probabilidades dos itens ganhos nas caixas de recompensas. Alguns jogos criam Tiers indicando um conjunto de itens que possuem maiores e menores chances de ser ganhos, o que acaba inflando a porcentagem.

Com relação a falta de informação clara sobre a probabilidade de se ganhar os itens, chamou-se a atenção deste fato quando o governo Chinês obrigou os desenvolvedores a informar a taxa de drop rate de cada item, teve gente que se chocou com itens com taxa de 0.0001% para ser ganho. Mas os desenvolvedores em outros países divulgam os Tiers como por exemplo, o jogo Overwatc (BLIZZARD. 2021), que o Tier comum possui 99% de probabilidade, Tier raro tem 94% de probabilidade e Tier épico e lendário possuem, respectivamente, 18,5% e 7,5%. Enganando de certa forma o usuário.

Uma outra crítica diz respeito às caixas de recompensas que possuem probabilidade diferente em outros países. Como o governo chinês obrigou os desenvolvedores a publicarem as probabilidades dos itens da caixa de recompensas, percebeu-se, conforme Chalk (2017), que o sistema de caixa de recompensas do League Of Legends era diferente na China e Europa.

Como o sistema de probabilidade das caixas de recompensas não é transparente, acontecem casos como dos Estados Unidos. Ao qual Streamers patrocinados recebiam das desenvolvedoras caixas de recompensas com chances irreais aos outros jogadores, fazendo de certa forma uma publicidade enganosa.

Por fim, deve-se tratar a forma como as caixas de recompensas se apresentam nos jogos eletrônicos, uma coisa é ser apenas mais uma opção dentro do jogo, outra coisa é ser a única forma de conseguir algo dentro do jogo eletrônico, principalmente nos jogos pagos. De acordo com Bogatzky (2021), documentos vazados indicam que a EA estaria praticando uma política de sempre direcionar o usuário a comprar as caixas de recompensas, em especial no jogo eletrônico FIFA, um dos jogos que aparecem rotineiramente no noticiário por possuir caixas de recompensas de natureza predatória para menores de idade. 

Além de usar essas técnicas para obrigar a compra de caixas de recompensas, a EA tem uma patente, conforme publicação no GameVicio (2019), o qual um algoritmo inteligente iria combinar jogadores novatos, mais propensos a gastar no jogo, contra jogadores mais bem equipados com o objetivo de induzi-los a usar microtransações como as caixas de recompensas, mas até hoje não há relato do uso dessa tecnologia. Tal tecnologia é alimentada por dados dos próprios usuários, para incentivar o uso da microtransação.

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