IMPLICAÇÕES DE ORDEM PENAL

A repercussão das caixas de recompensas sob a ótica penal é muito importante pois é por esta perspectiva que irão decorrer as implicações do Estatuto da Criança e do Adolescente até a sua proibição de comercialização no Brasil. O decreto 3.688/41 que trata sobre as contravenções penais é bastante importante neste caso, em especial o art. 50, vejamos:

 

art. 50 Estabelecer ou explorar jogo de azar em lugar público ou acessível ao público, mediante o pagamento de entrada ou sem ele:

Pena - prisão simples, de três meses a um ano, e multa, de dois a quinze contos de réis, estendendo-se os efeitos da condenação à perda dos móveis e objetos de decoração do local.

  • 1º A pena é aumentada de um terço, se existe entre os empregados ou participa do jogo pessoa menor de dezoito anos.
  • 2º Incorre na pena de multa, de R$ 2.000,00 a R$ 200.000,00, quem é encontrado a participar do jogo, ainda que pela internet ou por qualquer outro meio de comunicação, como ponteiro ou apostador.
  • 3º Consideram-se, jogos de azar:
  1. o jogo em que o ganho e a perda dependem exclusiva ou principalmente da sorte;

 

O parágrafo terceiro define o jogo de azar aquele que o ganho ou a perda dependem exclusivamente ou preponderantemente da sorte. Se encaixando perfeitamente na característica principal da caixa de recompensa, vale ressaltar que a legislação não necessita que o ganho seja, apenas, em moeda corrente, admitindo-se objetos virtuais, neste sentido é totalmente plausível a aplicação deste dispositivo e como consequência pode-se interpretar, juridicamente, que a caixa de recompensas é um jogo de azar.

Além de que a participação como jogador ou empregado menor de dezoito anos é uma circunstância agravante desta contravenção, conforme parágrafo primeiro. Dessa forma, pode-se entender que o jogo de azar é inequivocamente proibido para menores de dezoito anos. Esse entendimento é importante, pois o Brasil vem admitindo que determinados jogos de azar sejam explorados, mas com esta proibição para os menores.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

O presente trabalho objetivou analisar as repercussões das normas jurídicas brasileiras acerca da presença de caixa de recompensas em jogos eletrônicos. Desde já deixo claro que não extinguimos este tema, e provavelmente nestes próximos anos tanto o judiciário e o legislativo terão que enfrentar este tema e suas repercussões sócio-econômicas. 

Conforme visto, a caixa de recompensas junto com a nova ideia de “jogo como serviço” usam e abusam de diversos gatilhos psicológicos. A caixa de recompensas, conforme foi trabalhado no capítulo 2.3, favorece o desenvolvimento do jogador compulsivo e quanto mais jovem é o usuário exposto, maior o risco de desenvolver este transtorno psicológico e como as desenvolvedoras criaram diversos mecanismos para “prender” pelo maior tempo possível o jogador, mais tempo ele fica exposto. 

Diante desses fatores, fica evidente que há ofensas ao artigo 6º do CDC, nos seus incisos I, III e IV. De início, a ofensa ao art. 6º, inciso I, está na conjugação  de dois fatores, a presença da caixa de recompensas e a prática de “jogo como serviço” tornam o jogo eletrônico um ambiente perfeito para criar toda uma geração com transtornos psicológicos graves. 

Com a pandemia podemos observar diversas notícias envolvendo os mais variados problemas com a exposição prolongada aos jogos eletrônicos que adotam esta prática. Desde de jovem, como tratados nos capítulos anteriores, que estouram o cartão de crédito dos pais, como jovens que cometeram diversas atrocidades que não cabe comentar. 

Com relação ao art. 6º, inciso III, temos que a ofensa é um tanto ambígua. Pois, na visão dos desenvolvedores, só por indicar os possíveis itens que poderão ser ganhos na caixa de recompensas ou usar o sistema de Tiers, que trata-se de mostrar a probabilidade de um conjunto de itens, estão dando uma informação adequada e clara. 

O que não é verdade, pois o consumidor tem o direito de saber a probabilidade de ganhar determinado item e o desenvolvedor tem essa informação mas acaba camuflando com o sistema de Tiers. A prática de usar Tiers é ainda pior pois a informação é “enganosa” ao qual infla a probabilidade de determinados itens do conjunto, sendo que o jogador só ira ganhar um item.

Já a ofensa ao art. 6º, inciso IV, está na prática de publicidade enganosa no seu sentido literal. Como foi tratado nos capítulos anteriores, já houve um escândalo envolvendo influenciadores e streamers que eram pagos pelas desenvolvedoras para fazer propaganda dos seus jogos, ocorre que na hora de fazer a publicização da caixa de recompensas, os desenvolvedores enviaram caixas de recompensas “adulteradas” com probabilidades infladas para itens quase impossíveis de ganhar.

Com relação a aplicação do Estatuto da Criança e Adolescente é perceptível que caso seja aplicada isoladamente não surtirá efeitos. O ECA neste caso é bastante dependendo da lei de contravenções penais, em relação aos jogos de azar. 

Entende-se que mesmo bilhetes lotéricos, que são legais, o ECA têm restrições à venda para menores de idade, vide art. 81, IV do ECA. Tal norma, conforme o art. 51, §2º em conjunto com o art. 81, IV do ECA, fornecem subsídios para uma interpretação sistemática de que é possível a proibição da venda de caixas de recompensas em jogos eletrônicos que possuem como público alvo os menores de dezoito anos. 

O último a ser abordado são as implicações de ordem penal que em síntese se resume em caracterizar a caixa de recompensas como um jogo de azar. Conforme art. 50, §3º da lei de contravenções penais, considera-se, jogo de azar, “O jogo em que o ganho e a perda dependem exclusiva ou principalmente da sorte” e dessa forma, não há dúvidas que devemos caracterizar a caixa de recompensas como tal. Sob a perspectiva psicológica, Drummond e Sauer (2018, p. 2) apontam que uma das características da caixa de recompensas é que o ganho e a perda está exclusivamente ligado ao acaso, ou seja, sorte.

Por fim, esclareço que não havia dúvidas que havia ofensas aos direitos básicos do consumidor, além de que é bastante óbvio que a caixa de recompensas devem ser tratadas como jogo de azar. No entanto o Estatuto da Criança e Adolescente não consegue, sozinho, coibir a venda de caixa de recompensas em jogos eletrônicos com o público menor de dezoito anos, só seria possível, caso o judiciário declarasse que a caixa de recompensas é um jogo de azar 

Mas devo destacar que há um possível entendimento bastante inusitado que não foi previsto neste trabalho. A interpretação de que a caixa de recompensas possa ser considerada algo semelhante ao bilhete lotérico poderia tornar possível um impedimento da caixa de recompensas em jogos eletrônicos para menores de dezoito anos.  

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