SEMELHANÇAS ENTRE O JOGO ELETRÔNICO COM CAIXA DE RECOMPENSAS E O JOGO DE AZAR: PERSPECTIVA PSICOLÓGICA

Há diversos estudos na área da psicologia atestando as semelhanças entre as caixas de recompensas e o jogo de azar. Merece destaque o artigo Adolescents and loot boxes: links with problem gambling and motivations for purchase, escrito por Zendle, Meyer e Over (2019), publicado na Royal Society Open Science. Tal artigo diz que como os usuários compram as caixas de recompensas, eles não estão adquirindo um item específico, e sim adquirindo a perspectiva de que irá ganhar algum item predeterminado em uma lista, esse comportamento, portanto, envolve apostar dinheiro no resultado casual de um futuro evento. 

Tal comportamento, conforme o estudo, se relaciona com o jogo de azar, pois preenche os requisitos psicológicos do transtorno do jogo compulsivo (ZENDLE; MEYER; OVER, 2019, p. 2). O jogo compulsivo, também conhecido como jogo problemático ou ludomania, se refere a um transtorno o qual o indivíduo sente a necessidade de jogar continuamente, independente das consequências negativas que podem afetar a vida pessoal, familiar e profissional. 

Nas palavras de Zendle (MEYER; OVER, 2019 p. 2):

 

Quanto mais o usuário estiver exposto à excitação ao abrir a caixa de recompensas, mais ele espera e exige essa excitação, levando aos padrões desordenados e excessivos de gastos relacionados ao jogo. 

 

Isso é um problema que é potencializado quando há presença de caixas de recompensas, como os jogos eletrônicos estão se voltando à prática de jogo como serviço, todo o jogo é desenvolvido para manter e engajar o usuário para ficar mais tempo jogando. Segundo Griffiths (apud ZENDLE; MEYER; OVER, 2019, p.2) há cinco características para identificar no jogo, nas caixas de recompensas e jogo de azar, que propicia o transtorno do jogo compulsivo, os quais são:

  1. A troca de dinheiro ou algo de valor.
  2. Um evento futuro determina os resultados desta troca, e o resultado deste evento é desconhecido no momento em que uma aposta é feita;
  3. O acaso determina, pelo menos em parte, o resultado da troca;
  4. As perdas podem ser evitadas simplesmente não participando;
  5. Os vencedores ganham às custas dos perdedores.

Drummond e Sauer (2018, p 2) realizaram um estudo aplicando as características, ditas por Griffiths, do jogo compulsivo nas caixas de recompensas dos jogos eletrônicos que apresentavam esse tipo de microtransação, ao todo foram analisados vinte e dois jogos eletrônicos. 

Os parâmetros definidos por Griffiths foram aplicados nas caixas de recompensas. No estudo, Drummond e Sauer explicaram essas características do jogo compulsivo: 

Conforme Drummond e Sauer (2018. p 2), a primeira característica diz respeito à forma de adquirir as caixas de recompensas que devem, necessariamente, ser pagas com dinheiro real. 

A segunda característica se refere ao ato de receber a caixa de recompensas, ao qual exige que a caixa de recompensas seja recebida após o pagamento. 

A terceira característica diz respeito a aleatoriedade da caixa de recompensas, o desenvolvedor pode até dizer os possíveis itens que podem ser ganhos, mas nesta característica, é exigido que o usuário não tenha certeza de qual item irá receber dentro desses itens possíveis preditos pelo desenvolvedor. 

A quarta característica trata que as perdas poderiam ser evitadas, simplesmente não comprando as caixas de recompensas. 

A quinta característica é um pouco mais complexa, e esse é um dos motivos pelos quais os órgãos reguladores sentem dificuldade de visualizar a caixa de recompensas como jogo de azar. Esta dificuldade se dá porque o usuário, ao comprar com dinheiro real a caixa de recompensas, não recebe dinheiro em troca, e sim itens ornamentais ou itens funcionais. 

Vale ressaltar que há jogos eletrônicos, como Counter-Strike: Global Offensive, que por mais que o usuário receba, da caixa de recompensas, skin de armas, o usuário pode vendê-lo no mercado da Steam. No entanto, Drummond e Sauer (2018) consideraram que na quinta característica, a caixa de recompensas deveria ter dentro de suas possibilidades itens que coloque o usuário, que os adquiriu, em vantagem sobre outros jogadores. 

Drummond e Sauer (2018) identificaram dez jogos eletrônicos, de vinte e dois, que tinham caixas de recompensas que preenchiam todas as características do jogo compulsivo definidas por Griffiths. No entanto, chama-se atenção que jogos eletrônicos com classificação etária livre, como FIFA 17, 18 e Madden NFL 17,18, além de preencher todos os requisitos, dá aos usuários a possibilidade de trocar os itens por dinheiro, vendendo em leilões in-game ou em sites de terceiros.

Vale salientar que a presença de caixas de recompensas, que preenchem todos os requisitos do jogo compulsivo, em jogos eletrônicos com classificação etária livre é um problema ao qual os órgãos de defesa da criança e do adolescente devem se atentar. Conforme Habra e LEE (apud ZENDLE; MEYER; OVER, 2019, p.2),  explicam: 

 

O jogo compulsivo é considerado um risco em particular no caso dos adolescentes. Na verdade, a exposição a jogos de azar na infância é um importante preditor de problemas de jogo compulsivo entre adultos. 

 

Além do FIFA e Madden NFL serem jogos com classificação etária livre, Drummond e Sauer analisaram Halo Wars 2 e Need for Speed Payback. São jogos com classificação etária, de respectivamente, 14 e 10 anos e que possuem caixas de recompensas que preenchem todas as características do jogo compulsivo estando, portanto, disponíveis para adolescentes e crianças. Dos vinte jogos eletrônicos que Drummond e Sauer (2018) analisaram, dez jogos têm caixas de recompensas que preenchem todos os requisitos do jogo compulsivo, desses dez, quatro jogos estão com classificação etária disponível para crianças e adolescentes.

Conforme Zendle (2020, p. 19), há sete tipos de caixas de recompensas, mas o fator determinante para fortalecer o jogo compulsivo é a compra de caixas de recompensas. Foi percebido uma relação entre usuários que mais gastam em caixas de recompensas e que tinham problema de jogo compulsivo mais grave. 

Zendle et al (2020, p. 19), fez um estudo intitulado Paying for loot boxes is linked to problem gambling, regardless of specific features such as cash-out and pay-to-win, o qual buscou classificar as caixas de recompensas para saber qual é a mais nociva, na conclusão do estudo, não foi encontrado evidências para o apoiar o argumento que existe um tipo específico de caixa de recompensas inofensivo.

Um estudo interessante realizado por Zendle (2020), abordou o antes e o depois da retirada da caixa de recompensas do jogo Heroes of The Storm. Heroes of The Storm é um jogo eletrônico free-to-play o qual o método, principal, de monetização é a microtransação, dentre os itens ofertados para venda aos usuários está a caixa de recompensas, o qual continha uma lista de itens cosméticos.

Quando as caixas de recompensas foram removidas do jogo eletrônico, os jogadores gastaram, conforme Zendle (2020), significativamente menos dinheiro no jogo. Vale ressaltar que existem os itens para compra direta, tanto antes como depois da retirada da caixa de recompensas, e mesmo assim os usuários que gastavam enormes quantias na compra de caixas de recompensas não substituem o ato para compra direta de itens.

Esse estudo reforça a ideia defendida por Zendle, que a ligação do pagamento de dinheiro para compra de caixa de recompensas está ligada a problemas do jogo compulsivo. No entanto, o próprio Zendle reconhece que ainda é bastante prematuro defender essa ideia, pois as caixas de recompensas poderiam não está ligada ao jogo compulsivo mas, nas palavras de Zendle (2020, p. 20), “provide a ‘gateway’ to problem gambling, but rather because loot boxes capitalize on problem gambler’s self-destructive behaviour”. 

Concluí-se que, na visão psicológica, não se sabe ao certo o porquê das caixas de recompensas serem tão nocivas, mas uma coisa é bastante clara, elas não são inofensivas, sendo necessário que exista alguma regulamentação e fiscalização das autoridades competentes para responder a essa ameaça.

A polêmica por trás das caixas de recompensas, no primeiro momento, se deve aos abusos do sistema por parte dos desenvolvedores. Os governos em todo mundo começaram a debater sobre o tema após a polêmica do Star Wars: Battlefront II, momento a partir do qual foram realizados estudos apontando a similaridade das caixas de recompensas com o jogo de azar. No próximo capítulo sera abordado a polêmica em torno das caixas de recompensa, bem como a posição de algumas empresas e governos sobre o assunto.

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